O HOMEM QUE BERRA MAIS ALTO













Sócrates é uma coisa nova em Portugal.
Guterres, o bonzinho, tinha Cícero a correr-lhe misturado no sangue
e era eloquente e claro a argumentar
e tinha certezas infalíveis de papa, de buda: «PIB?... é-só-fazer-as-contas».

Cavaco nunca teve nada de importante a dizer, a não ser o chavão «estabilidade»,

que em Portugal é igual à estagnação do país, enquanto a classe dirigente engorda diligentemente a respectiva máquina partidária,
e esteve a maior parte do tempo calado, como ainda hoje.
É um homem sério e hirto com alguns genes bushianos
porque as ideias, tal como a língua, também se lhe entaramelam
e saem com queda ou para o ridículo ou para o óbvio.
Por isso, o silêncio, tal como o fato castanho ou preto ou cinza,
fica-lhe bem.

Mas Sócrates não. Sócrates berra mais alto que alguém alguma vez,
a não ser o palhaço do Jorge Coelho, que é democrata,
mas nazi nos berros do púlpito. Dá-lhe um frenesim e é todo um blá-blá estrídulo
que nos galvaniza de tédio e de um entusiasmo aborrecidíssimo.
Por vezes temos de levar com ele porque as TV's gostam do seu número de circo.

Veja-se a mole de gente que ousa achar estar o Estado

a sonegar-lhe direitos sociais e rendimentos do trabalho,
uma multidão que desfila, que tem palavras de ordem e justificados pruridos
contra os tiques autistas e tiranóides de alguns ministros.

Perante isto, o homem, Sócrates, minimiza, desvaloriza,
tolera pouco, mostra-se democrático ao contrário;
primeiro calmo naquelas entrevistas com sorriso estrategicamente dentro;
depois, sobretudo no Parlamento, é que se larga a ser arruaceiro,
aí é que peixeira inteiramente o discurso
porque grita,
porque dá pancada velha nos deputados opositivos,
agride-os, humilha-os, enxovalha-os, opõe-se ferozmente à oposição
num encarniçamento de hiena.
Homem impiedoso, agressivo. Perigoso.
E grita, grita mais alto: se pudesse,
com um megafone na mão, mais alto seria ou não houvesse muito de selva
numa zanga de bichas que se arranham muito e gritando,
gritando sempre, se atiram coisas.

Sócrates é mesmo uma coisa nova em Portugal.
A fama de reformista reforça-lhe os tiques unanimistas e a auto-legitimização metodológica.

Vê-lo é sabê-lo ainda a tomar conta da turma enquanto a professora, que só confia nele,
vai fumar um cigarro; é sabê-lo ainda o melhor aluno da Escola Primária,
bem penteado e de bibe irrepreensível;
o mais bem comportado dentre tanto aluno ranhoso e lento;
o mais impostor dos alunos, implorando, no final dos períodos,
que a sua excelência de facto seja ainda mais milimetricamente incontestável.

Sócrates tem um projecto para Portugal: deportar-nos da portugalidade

para a norte-americanidade; desportuguesiar-nos, ou melhor,
'gasear-nos' de USA.
Sócrates é o timoneiro de um amanhã novo,
quando passarmos a ser em tudo os primeiros norte-americanos europeus
na maior reviravolta social e cultural jamais vista num país, a não ser no Japão:
gente produtiva,
onde agora é mais beber de mais e bater nas mulheres até ao gozo sublime do homicídio,
gente trabalhadora,
onde agora é mais jornais desportivos e investimento podre no sector imobiliário,
gente tecnologicamente inovadora,
onde agora é mais papelinhos, agrafos e clipes para tudo,
gente economicamente agressiva,
onde agora é mais coçarem-se as partes apiolhadamente púbicas,
gente economicamente oportunista,
onde agora é mais distração do essencial com o nome oco, choroso e dramático do Vieira-Mártir da pureza desportiva no Benfica,
gente dinâmica e empreendedora,
onde agora é mais registos do Euromilhões, na Lotaria, e noutras fraudes sociais simpáticas,
gente com um arsenal, um paiol, em casa,
onde agora é sobretudo armas brancas de cozinha,
serrotes e machados ferrugentos na garagem.

Como o povo está errado e o país impossível,
claro que só podemos norte-americanizar-nos
e é para lá que, a ferro e fogo, Sócrates, o MIT, o Silicone Valley, da política com rumo,
nos quer levar
e aonde chegaremos mortos ou vivos!

Joaquim Santos

Comments

Susan Jones said…
ohlala! handsome man!

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