NEGRA CORAGEM


Bêbado de sono e enjoado de cansaço,
Escola, part-time nocturno,
privações de toda a espécie,
sinto-me simplesmente doente.
Sem descanso adequado, sem qualquer compensação,
sem qualquer estabilidade,
sem terra firme,
entre as fomes de horas que me retesam os nervos,
as fraquezas suportadas,
a angústia da falta de dinheiro,
apesar de tudo lanço-me em frente,
mergulho numa dimensão de vida que nunca foi a minha, sempre tão doméstica.
Vou então ser flexível e articulado. Dar o máximo de mim. Sobreviver.
lkj
De dia, ensino, dou-me todo em afecto e em quanto eu saiba,
é um Ensino enquanto duram trinta dias, teimo e teimarei em ensinar.
Não posso desistir de esta dimensão de mim.
De noite, recebo, enquadro, controlo,
reponho os stocks de bebida,
perco, no fundo, todas as poses profissionais ou outras que nunca tive
e cumpro o meu dever com o maior dos zelos e concentração.
Ganho aí um dinheiro que logo se esvai todo em combustível e em pão.
Mas vou à luta. Mas não desisto. Mas resisto.
Essas políticas reformadoras ma non tropo e só para quem não tem voz,
cheias de pseudo, cheias de peso e sofrimento para a massa
e levezas e descontos e complementos de vencimento ou de reforma
para um conjunto de caralhos favorecidos
(que podiam estar inteiros no cu do Paulo Cara-de-Bebé Pedroso
que mesmo assim nunca estariam lá
só porque ele negaria que estivessem lá e, plim!, realmente não estavam lá),
essas reformas cospem-me na cara todos os dias.
Estão ali para me fazerem em farelo e em caca de galinha e ao meu suor irrisório.
Sei os desempregados que telefonam todos os dias para anúncios,
para marcar entrevistas, para entrar na grande engrenagem do dinheiro,
sei-os suplicantes e desanimados.
Conheço as suas vozes inseguras e o seu misterioso limiar de tolerância por transcorrer.
É para fora de este país que partem. Arriscam em Espanha. Vão arriscando fora,
lançados fora pelo País de Correia de Campos, o grande abutre e novo Mefistófeles:
«Mas é que preciso mesmo de trabalhar. Moro em Valbom.
Mas acha mesmo que me vão admitir. É que aí é longe.
Para não ir aí para nada. Preciso mesmo, mesmo de trabalhar.»
lkj
O Ensino, na sua vertente sistémica, emagrece.
Essa é a grande sarna com que se coça quem governa.
Tem cada vez mais técnicos e cada vez menos sábios.
Não é uma agência de emprego - diz do ME a própria Ministra,
que é uma forma de dizer que as pessoas passaram a coisas descartáveis
e não há tapete fácil para debaixo do qual se possam varrer.
Este Pub, onde peno e observo a vida e as pessoas,
este Pub, onde viajo para dentro das minhas feridas,
já está a rebentar pelas costuras.

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