À INDOMÁVEL INDÓMITA


Acumular anos e ter suficiente saúde, uma saúde de Sobreiro, Indómita,
e ter a leveza e o sorriso da sabedoria é o que anelo.
lkj
Saber partir quando isso desconcerte os planos meticulosos
e controlados dos outros.
Saber deslizar para fora de esta vida, se a tal forçados,
e de esta morfologia vital, se a tal obrigados,
sem resistência e sem exaspero.
lkj
Saber partir como quando chegámos
e todos chegámos tão folha limpa de Diário, tão Cera Tenra de carne virgem,
tão no nosso Direito de nos traduzirmos, sem que nos matassem antes,
nesta viagem gratuita e sem ordem de extermínio em hora nenhuma.
lkj
Não há morte. Há trânsito para novas fases do Mistério.
Tem de haver só Êxodo, um êxodo na e para a Luz.
O meu Avô Joaquim, que agonizava numa semi-lucidez
havia só um ou dois pares de meses, e cujo corpo, já chagado e fedendo adocicado,
reclamava partir, nos seus 93 anos vitais, saudáveis, austeros,
como um alto Plátano, esperou por que eu entrasse quase aleatoriamente no seu quarto
para que, nessa hora, somente nessa hora,
a sua mão na minha mão, os seus olhos nos meus olhos,
ele se soltasse no Derradeiro Mistério.
lkj
Foi demasiado Grande e foi demasiado Belo
esse minuto de sincronia olhos nos olhos.
A luz de esse sol de Março entrava então pela janela
e esparzia pelo quarto fazendo brilhar muito mais os seus olhos verdes
e os meus olhos verdes, de repente, ligeiramente marejados,
enquanto nos olhávamos, compreendendo tudo.
lkj
Trazia eu uma T-shirt que eu próprio mandara estampar
e onde havia aquele/este belo Cristo icónico e a palavra Esperança,
tudo em tons de azul, minha causa, letmotiv de vida.
lkj
Os meus velhinhos avôs maternos tiveram a dita de agonizar na paz do lar:
tinham-nos as presenças, o amor, o curar de eles, tinham a nossa oração.
O nosso tão amigo Tio avô Manuel quis morrer junto de nós e assim foi.
A minha madrinha-avó quis morrer junto de nós e assim foi.
Há até estranhos que certamente quereriam morrer junto de nós
porque intuem bem a cultura familiar da nossa delicadeza serena e densa
e sabem que tão importante que o como se morre é o onde e com quem sólido.
kjh
Até eu quero morrer numa família nisto forjada
porque eu sei de experiência que o Amor ultra-palavra e ultra-conceito
é mais forte que a Morte e de nada-limite, entre júbilo e dor, nem da nossa morte,
devemos privar os que amamos.

Comments

antonio ganhão said…
Só existe um êxodo e uma revelação. Mas multiplos caminhos, e alguns desencontrados.
Anonymous said…
Josh,

Quando as palavras em vez de da boca sairem, nos escorrem do coração, ficam tão mais francas, tão mais fortes e ao mesmo tempo, tão mais maravilhosas, doce-amargas no seu viver fora do corpo...
Já te disse que adoro o teu sentir sublimado numa subversão dos sentidos. O teu espirito Daliano, a tua guerra ao estabelecido atraem-me como mosca ao mel, talvez porque eu não o cosiga fazer, talvez porque eu só vejo sentido na incerteza, no continuo movimento do buscar para além realidade...

Da nossa morte não devemos privar os que amamos e assim se vê quem nos ama. E é por isso que amo quem me olha nos olhos e me diz - a vida é feita disto , para o bem e para o mal, é disto que a vida é feita - de dor, sangue, cor, risos, alegrias e tristezas, mas acima de tudo ela é feita do nós e do cá, do juntos...
Foi por isso que se me ficou cravada na garganta uma espinha que doi quando a sinto, a espinha de ter acompanhado um avô pelas ruas da morte dorida, quando a sua mulher estava demasiado preocupada em sentir pena dela própria para sentir a dor com ele...
As espinhas encravadas são demasiado dificeis de desencravar, doi muito tentar.
indomavel
Anonymous said…
Não tenho tido tempo para visitar os amigos, pelo que só hoje dei com este texto. Formidável expressão do mais profundo amor, aquele que liberta os outros de nós, para os seus próprios caminhos e passagens existênciais.
Saber morrer é a demonstração final da forma como se viveu - com dignidade ou na sua falta...

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