DUAS ESPANHOLAS ÉBRIAS


Pergunto-me algumas vezes se já não terei esgotado
o rol das minhas poetonarrações da vida nocturna, tal como eu a testemunho
aqui, no Porto, a partir do Pub onde há tantos meses tenho sido porteiro e segurança.
A resposta é não: cada noite tem uma densidade, um fluxo a prumo de informação
concentrada tão intensa, pefurando-me a consciência criativa,
como um potente laser ao aço,
que dou por mim a ferver por de imediato passar à escrita.
lkhj
A noite começou com o relato tragicómico do homem dos barris de cerveja
a declarar-se-me, enquanto narrava um filme épico sobre pedofilia
e bebia uma, incapaz de pedofilizar.
Que tivera uma ou duas ocasiões em que poderia ter concretizado a infâmia,
mas fora sensível, lembrara-se da sua filha, mais ou menos da idade da vítima-profissional,
teve pena e resistira àquele «Corpo bom, de mulher boa, boa, boa!».
lkj
Ouve-se, masculamente condescende-se, mas fica-se a pensar
na miséria moral asquerosa quando um ser humano tira vantagem de outro ser humano
por ser pequeno, por ser frágil, por ser mulher. A noite ainda mal começara
e provar-me-ia implicitamente que há, neste mundo, bestas com nome de Homens,
literalmente capazes rapaces de tudo, vulperinamente.
Homens que há muito rasuraram os últimos resquícios de uma ética inibidora
de actos filhos-da-puta contra os seus semelhantes.
É quando outro ser humano já não se lhes afigura como semelhante, talvez.
lkj
Vieram, sóbrias, duas mulheres quarentonas do lado de lá da fronteira.
Uma delas, tagarela e fumadora como quem bebe ou come, protestando contra a nossa lei,
metendo conversa com todos e cada um dos homens que começaram a reparar em si,
partilhou comigo as suas características e as da sua amiga. O descaramento ousado de uma
era o descaramento introvertido e tímido da outra.
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Começou a tagarela por dançar com um jovem cliente, baixinho,
logo deslumbrado com aquela Cimeira Ibérica
nos seus braços, todo sorrisos e triunfos apressados por causa dela.
Mas logo trocou-o ela por outro, mais alto, mais possante, com quem começou a conversar
numa das suas frequentes pausas para fumodevorar e a conversa foi incandescendo.
lkj
Foi com esse que, por largos minutos, antes de completamente perder as estribeiras,
trocou beijos e promessas de pernoita e subitamente eram dois casais em Cimeira-Cumbre,
porque a sua pacata amiga, já completamente ébria, tinha filado de igual modo
o seu português e os planos de festa imprevista seguiam de vento em popa.
lkj
Mas as mulheres, num vaivém frenético, bebiam, mudavam de rumo, acordavam
seguir para lençóis com uns, já frementes, hienas em torno de um cadáver ainda quente,
e já se envolviam com outros desencadeando um hiato de excitação e interesse
nos primeiros.
lkj
Ora haviam entrado no Pub dois personagens lisboetas
apenas de passagem no Porto em trabalho, um deles confidenciara-me um feixe de intimidades
no fim da madrugada anterior. Ali estava de novo. Trouxera um amigo.
Muito aranha, esse amigo não tinha encontrado em toda a noite carniça em que pousasse.
Vagueava muito atento à caça, num estudo aturado de território e respectivos donos.
Não cometera qualquer erro. Não apreciara candidamente as suas hipóteses,
não investira em ninguém-mulher, não desperdiçara charme nem tiros de pólvora seca.
Era uma aranha no centro da sua teia. E na verdade, aconteceu que uma das espanholas
lhe caíu literalmente nos braços. Foram dançar. Conversaram animados.
Riram espalhafatosamente e, no fim, perante o estado semi-coma-alcoólico de ambas,
foi ele e o seu amigo lisboeta que se prestaram à dupla amabilidade de lhes completar
o pagamento dos consumos extremos
e de as acompanhar ao hotel, afinal os quatro eram estranhos na Cidade.
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Coño para aqui, coño para ali, uma ou duas horas antes de esta saída com destino
predatório infalível, no papel de presa elas, de predadores eles, ou vice-versa,
as mulheres deram-nos, à Casa, trabalho. Entrara a tagarela em diálogo
com qualquer um, com homens que me confidenciavam
a disponibilidade dela e a facilidade em seguir para Motel
mas dizendo-se incapazes de um aproveitamento do seu estado deploravelmente ébrio.
Sabiam lá que havia ali um outro tipo de homem, frio, metódico, cirúrgico,
e pouco sensível ao estado pouco confiável das duas espanholas.
Já o amigo primeiramente me confidenciara no dia anterior
a sua vivência intensiva da noite lisboeta,
de Segunda a Segunda, que era respeitador de toda a gente,
que de vez em quando uma foda imprevista e ocasional era «bem vinda», «natural» e «bonita»,
dentro daquele respeito e reciprocidade
como condição absoluta para todas as fodas incidentais.
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E lá estava o seu amigo objectivo a praticar a mesma lei e com um sucesso e uma clareza
meridianas. As espanholas dominaram a noite. Atrairam as atenções.
Houve quem as quisesse para pequeno-almoço. Houve quem as detestasse,
as mandasse para aquela parte «Yo soy habladora, eso hay salido con el chip.»
e logo um cliente passa por mim e diz «Puta que a pariu!», houve quem assistisse
ao seu show e houve quem, finalmente,
as apanhasse naturalmente na teia e, a esta hora, está ou esteve a papá-las.
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Mulheres que vieram de Espanha como bolas de futebol, de passe em passe,
até ao golo desejado por elas que também não haviam vindo para que nada acontecesse.

Comments

Manuel Rocha said…
Esgotado ?!
Não me faças rir, Joshua !
Há rios que nascem no mar e correm para terra. Não se esgotam. Como quem prosa com qualquer virgula, como fazes.

Abraço.
Tiago R Cardoso said…
BRILHANTE !
Sei que existes said…
São situações bastantes frequentes... O que é que cada um ganha ou perde realmente com essas atitudes...isso eu não faço idéia!
Beijos
antonio ganhão said…
Escreveste este texto para te redimires? Estás perdoado. Mas lembrei-me de algo: os porteiros, barmens e padres não estarão sujeitos ao segredo profissional?

Não serão vocês profissionais atendedores da nossa má consciência, redentores da nossa má sorte?

O lobo deve ajeitar a pele de cordeiro, detesto gente mal amanhada!

Gostei muito da tua crónica.
SEM MEDO said…
Esse é o prato do dia, são de todas as nacionalidades com maior incidência em mulheres brasileiras, mas até tailandesas se podem encontrar no mundo da noite.
Contratadas como corpo de baile, faz já parte do contrato que após o espectáculo alternem nas mesas e depois engatem um cliente para o resto da noite ou mesmo só para o “acto”.

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