IMPUNIDADE. IRRESPONSÁVEL FATALISMO

«Agora, que as coisas mudaram, a incapacidade política revelou-se de um modo tão estrondoso como evidente. Esta incapacidade é bem clara no impasse actual: por um lado, exibe-se um optimismo todo feito de deslumbramento tecnológico e de virtualidades mediáticas, que vive ao sabor dos movimentos quase infinitesimais das estatísticas mais irrelevantes. Mas ao mesmo tempo insiste-se, por outro lado, no fatalismo mais paralisante: "ninguém previu", "não há alternativas", "a culpa é da crise internacional", etc. Com o optimismo, procura ganhar-se em tempo o que se perde em acção, com o fatalismo, procura ganhar-se em impunidade o que se esconde de irresponsabilidade. De resto, que classe política, que não fosse dominada pelo arcaísmo das suas ideias e pelo egoísmo dos seus interesses, poderia, há um ano, ter pensado - um só segundo que fosse! - que seria possível lidar com a mais grave crise que Portugal enfrentou desde 1974, com um governo minoritário? Mais: que outra classe política poderia, de um modo tão inconsciente, ter completamente esquecido a lição das experiência minoritária de 1995/2001, e o "pântano" a que ela conduziu? (Compare-se, a propósito, com o que recentemente - em situação análoga - aconteceu em Inglaterra). E como é possível que se ignorem todas as análises e todos os dados da sociologia e da ciência política, que têm mostrado como hoje é difícil governar, não em minoria - hipótese que o simples bom senso deveria levar a excluir! -, mas mesmo em maioria, devido a fenómenos tão diversos como a crescente fragmentação eleitoral, o forte individualismo dos cidadãos, a disjunção das temporalidades, a precariedade das identidades ideológicas, multiplicação das legitimidades políticas, a erosão dos mandatos, os efeitos do curto-termismo, etc. A palavra responsabilidade anda muito na boca dos políticos portugueses - mas há, infelizmente, razões para desconfiar que se trata sobretudo de má consciência. Porque a responsabilidade é uma exigência que liga não só as promessas e o seu cumprimento, mas também a acção e as suas consequências - e ela é tanto mais incontornável quanto maior for a previsibilidade destas. Os dias difíceis que vivemos são a mais do que natural consequência das imprudentes opções que se têm feito. E ela aponta para a importância e para a urgência de se trocar a cultura política de permanente afrontamento, que desespera os cidadãos e esgota o País, por uma cultura política de abertura, de pluralismo e de negociação, que clarifique as opções dos cidadãos e dê serenidade ao País.» Manuel Maria Carrilho, DN

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