TROUFA OU A DIVINDADE DOS DETALHES

«A avaliação da arquitectura em termos de gosto é algo realmente falível. Ainda me lembro do que se dizia quando as Amoreiras estavam a ser edificadas. Nem tinta tinham ainda e já todos se insurgiam contra a obra. Na ESBAL inclusivamente. Alunos do 1º e do 2º ano manifestavam o seu choque perante aquilo que era talvez a maior intervenção pós modernista feita no país. Notem bem, do 1º e 2º ano, enquanto ainda nem sabem as dimensões de um degrau... O tempo passou e independentemente do "gosto" as Amoreiras são um ícone. Como Taveira muitos outros por esse mundo fora causaram estranheza e até repugnância. Mas hoje, 20, 25 anos passados é inegável que muitas dessas obras são um exemplo de que por vezes a história da arte e da arquitectura avançam por saltos polémicos. Aconteceu o mesmo com o classicismo e com o renascimento. Frontões quebrados, molduras de janelas exageradas etc., etc. Proporções bizarras nas colunas. Oh que crime!!! E o que dizer do modernismo de Gaudi? Quantos não o consideraram louco? Guell, o seu mecenas acreditava nele incondicionalmente. Com outros não era bem assim. E o que dizer da ruptura causada por um templo como a Sagrada Família? Troufa nunca foi um dos meus favoritos. Aposta em chocar, tal como Taveira o fazia antes de se tornar mais complacente, mas a obra diz respeito a 3 entidades principais - O promotor, o criador e quem licencia. Se houvesse uma comissão do gosto constituída só por arquitectos nunca haveria consenso. E quem punhamos na comissão de gosto? Roseta, a arquitecta sem palmarés? Rodeia, o bastonário arquitectolítico? Eu por exemplo não gosto de Siza. É bland e minimalista. Não gosto da "receita Ghery". Mas no outro extremo gosto de Soutinho ou de Loyd Wright com paixão. Obras de diferente épocas, escolas completamente díspares e nada ou quase nada relacionadas. Mas é o meu gosto. Não posso dizer que é certo ou errado. O mais que posso dizer é que é boa ou má arquitectura e nisso tenho de concordar que os espaços criados por Ghery são fantásticos, ou que Siza consegue transmitir paz. Como dizia Mies van der Rohe "Deus está nos detalhes". Esta igreja irá tornar-se um ícone por boas ou más razões, tal como aconteceu com as Amoreiras ou com a Igreja do Sagrado Coração de Jesus de Teotónio Pereira com betão à vista. E é precisamente nos detalhes que está Deus. Se a arte, a arquitectura e a música se medissem pelo gosto vigente, Picasso, Gaudi e Mozart seriam talvez dos piores de sempre. Mantenham-se calmos. As coisas que detestamos hoje podem muito bem ser as coisas que vamos apreciar amanhã.» Groink

Comments

Miguel said…
Não vi a Igreja ao vivo para tecer qualquer comentário sobre a estética, mas as Amoreiras!? Ícone!? São elas e o Estádio de Alvalade, lindos como a morte. São um ícone da fealdade, isso sim. Quer um edifício simples e bem enquadrado com a paisagem? Vá ao Museu do Côa. Repito não faço ideia do enquadramento paisagístico desta nova Igreja. Mas para o verdadeiro cristão, isso não é importante.
Anonymous said…
Tudo isto que está escrito pode ser subescrito como aceitável e/ou benígno, e faz lógica (no plano teórico e das boas relações sociais...). Mas importante será determo-nos, então, na Qualidade; e Escala; e Significado; e cuidado da Execução; e nos Materiais - e muito mais poderia acrescentar, sempre em maiúsculas, significando que é fundamental que a Obra de Arquitectura tenha todas estas coisas "...em conta peso e medida". Ora o que poderemos observar nas Amoreiras do Ti-taveira (Tio-Tó-Tá na ESBAL), ou nas ocasionais edificações de Troufa em que possamos tropeçar, é a FALTA DE CUIDADO NA EXECUÇÃO e a FALTA DE QUALIDADE DOS PORMENORES E DOS MATERIAIS; e além disso, no fim, tudo deles faz muito pouco sentido ou mesmo nenhum: Cenografia, Pirotecnia e imaturidade (enfim, vacuidades); o que para mim são merda como premissas de uma ideia de Arquitectura. E não se trata só de gosto: várias "atitudes" em arquitectura foram experimentadas ao longo da História recente e o resultado de algumas foi DESASTROSO. Ou seja, a não repetir de tão esfalfado e gasto (e estulto) que está. Citando Confúcio, "quando o cavalo morrer, desmonte".

P.S. comparar a "atitude" (e o resultado) de Taveira e Troufa à Renascença, ao Maneirismo ou ao Barroco, é como comparar uma esmeralda com fundo de garrafa quebrado e dizer que são iguais.

Ass.: Besta Imunda
Groink said…
Obviamente que a comparação não entre a obra do Renascimento ou de qualquer grande período de génio da Aquitectura com o que Taveira ou Troufa fazem.
Não é preciso conhecer grande coisa para perceber que são coisas de "ligas" diferentes.
A questão está em que sempre que há ruptura há reacção. E mesmo em períodos de génio houve os maus e os bons. Podemos qualificar a arquitectura de Taveira de cenografia. Em enorme medida é-o.
Veja-se a antiga sede do BNU na 5 de Outubro à qual ele se limitou a mudar a cor, por um topo de guitarra portuguesa e umas meias esferas de latão.
Se tivermos de falar de pós modernismo ele é uma pálida sombra de Rossi ou de Graves. Mas seria diferente a reacção se as Amoreiras tivessem sido feitas por qualquer um dos dois? Mesmo sabendo que a qualidade da obra seria incomparavelmente superior teria gerado polémica e ruptura.

O problema é que mesmo retirando estes dois da imagem, o que resta de arquitectura neste país não é brilhante. Há obras ocasionais de qualidade mas a esmagadora maioria do que se constrói é repugnante.
Ainda que alguns possam tecer considerações informadas acerca desta ou de outras obras, a maioria não o pode fazer.
E incluo arquitectos nesse rol. Não só porque muitos são responsáveis por incontáveis porcarias em que puseram a sua assinatura por esse país fora (para poder sobreviver), como se tivessem tido a oportunidade teriam feito tão mau ou pior que Taveira ou Troufa.
Não há uma obra que rompa com o hábito, que não tenha tido reacções adversas.
Não se está a criticar os materiais ou os espaços. Está a criticar-se a estética. E criticar acidamente uma obra de arquitectura apenas por esse prisma é como disse antes, muito falível.

PS. Há do Gótico, Renascimento e Barroco verdadeiros abortos. Tal como existem na música e na arte em geral. Há bons, e são esses que ficam para a história e aparecem nos livros, e os maus nos quais tropeçamos ocasionalmente. Sempre foi assim e sempre será assim.
E já que falamos de confúcio, para mim (e mais uma vez realço que é a minha opinião) quer o cavalo de Siza quer o de Ghery já morreram há uns tempos. Ia sendo altura de arranjarem uma montada que pelo menos andasse.

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