E NÃO HÁ PRISÃO PARA ESTES DEMÓNIOS?

«As PPP foram criadas em Inglaterra e na Austrália e não têm, em si mesmo, de ser uma coisa má. Permitem avançar com obras importantes para as comunidades, feitas pelos privados a tempo e sem derrapagens – os privados que, com uma distribuição de riscos adequada, depois serão responsáveis pela manutenção. O problema em Portugal é que os políticos importaram este sistema sem que a esfera pública estivesse minimamente preparada para lidar tecnicamente com as negociações complexas com os privados. A inexperiência é visível nos primeiros maus contratos assinados pelo governo de Guterres, que deu o pontapé de saída para as PPP. A curva de aprendizagem, contudo, foi muito curta – e juntou-se, já com José Sócrates (assistido pelo inevitável Paulo Campos, hoje deputado), a uma multiplicação demente de contratos para obras supérfluas.
Na Alemanha que nos disciplina, as PPP têm de ser aprovadas no Parlamento, que conta com o apoio de uma unidade técnica que analisa a proposta financeira. Em Portugal o controlo foi praticamente nulo. O parlamento – que nos representa – nunca conseguiu acompanhar a complexidade dos contratos. O Tribunal de Contas, que agora faz relatórios exaustivos sobre o que se conhece da desgraça, só acordou há quatro ou cinco anos para o problema, e nunca teve dentes para lutar a sério pelo interesse público. Com rédea solta, os governos fizeram o que quiseram – ofereceram um verdadeiro bar aberto com o dinheiro público a bancos, concessionárias, escritórios de advogados e de consultoria. PPP implicam por definição transferência de riscos para os privados – em Portugal os políticos criaram uma nova estirpe de contrato, com rendibilidades acima de 10% praticamente sem riscos. O risco é pago por nós. Só este ano, segundo o BPI, o risco de tráfego associado aos contratos rodoviários pode custar 2,3 mil milhões de euros – mais de um quarto do orçamento da Saúde, que todos os dias dizem estar falida. Mas o pior é a incógnita. Ninguém sabe o que está nos contratos feitos pelo Estado e ninguém faz ideia do que se passa nas autarquias portuguesas, onde há centenas de PPP. Em algumas, como no sector vital das águas, o Estado explora indecentemente rendas com municípios mal governados e mal preparados tecnicamente, que depois ameaça de execução financeira – faz, no fundo, o que deixou que os privados lhe fizessem. Este é o cenário que o actual governo tem nas mãos. Renegociar os contratos não é fácil – além das cláusulas há o facto de o Estado precisar dos bancos (incluindo o Banco Europeu de Investimentos) para se financiar. Mas o escândalo tem tanto impacto potencial nas contas – e na legitimidade com que os cidadãos encaram os sacrifícios que lhes estão ser impostos – que não deve inibir o governo de usar armas pouco convencionais. Como Passos Coelho gosta de dizer, “não há outra alternativa”, “custe o que custar”. Em contratos claramente danosos para o interesse público – e pelo que se lê do relatório do Tribunal de Contas, serão vários os casos – o governo pode estudar juridicamente a ilegalidade desses mesmos contratos. Deve ser este o ponto de partida para negociações agressivas, que reponham o equilíbrio na partilha de riscos. Os privados não têm culpa de terem aproveitado a oportunidade dada pela negligência do Estado – mas sabem muito bem aquilo que assinaram e devem ser mencionados publicamente, como sugeriu a insuspeita troika, caso revelem intransigência em negociar. Quanto aos políticos que segundo o Tribunal de Contas sonegaram informação útil para a análise não vejo outra hipótese senão acções em tribunal. Qualquer coisa menos do que isto será a continuação da afronta com que nos brindaram nas PPP nas últimas décadas. Veremos o que acontece.» Bruno Faria Lopes

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