CÂNDIDA ABDUÇÃO DE UMA JUSTIÇA ISENTA

«Faltam 46 dias, 1104 horas, para o dr. Pinto Monteiro deixar de ser Procurador Geral da República. Mas não está a ser um fim de mandato calmo e meritório. No fecho do julgamento do Freeport, o juiz do Tribunal do Barreiro absolveu os arguidos Manuel Pedro e Charles Smith, mas deixou no papel severas críticas ao modo como todo o caso foi investigado. Ao fim de sete anos acabou tudo com o Ministério Público a pedir absolvição dos acusados e com o juiz principal a passar um atestado de incompetência a Pinto Monteiro e, sobretudo, a Cândida Almeida, não só pelo tempo que demorou o inquérito, não só pelas diligências que não foram feitas, mas precisamente por nunca ter sido conduzido a fim de esclarecer que papel teve José Sócrates na história. Quase tudo no inquérito ao licenciamento do Freeport foi, do princípio ao fim, um desastre. Ainda me lembro da entrevista de Cândida Almeida à RTP, íamos em 2009: “José Sócrates não é arguido, não foi investigado”, mas pode vir a ser, dizia então a procuradora. Se a ideia de Cândida Almeida era sossegar a opinião pública e velar pela presunção de inocência do ex-primeiro-ministro, eram declarações no mínimo desastrosas. Não é arguido, não foi investigado, mas podia vir a ser. Sócrates nunca foi arguido, nunca foi investigado e nunca saiu, com danos para o próprio, do purgatório do “podia vir a ser”. Depois, foram as 27 perguntas para o ex-primeiro-ministro que os procuradores responsáveis pelo inquérito disseram que não tiveram tempo de fazer, significando com isto que não tiveram resposta superior de Cândida Almeida. Agora, após um julgamento em que várias testemunhas foram aludindo a reuniões com os promotores, pagamentos, mudanças de arquitectos, já para não falar da figura de Bernardo, “o Gordo”, o juiz do Barreiro ordenou a extracção de certidões dos depoimentos de três testemunhas (o antigo administrador da Freeport Alan Perkins, o advogado Augusto Ferreira do Amaral, e uma antiga funcionária de Manuel Pedro), para a enviar ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal. Guardo ainda memória de outra entrevista de Pinto Monteiro, à SIC, em que o procurador-geral aconselhou os cépticos a irem consultar o processo, que, sendo público, poderia desfazer todas as angústias sobre aquilo que lá estava. Imagino a surpresa de Pinto Monteiro com as considerações do Tribunal do Barreiro sobre o inquérito que deveria ter existido, mas nunca existiu. Não vejo como é que Cândida Almeida pode permanecer no cargo que ocupa. O inquérito do Freeport não foi só demorado e tumultuoso. Teve acidentes processuais pelo meio, pressões, inquéritos aos inquéritos, processos disciplinares que, mesmo descontando as lutas intestinas dentro do Ministério Público entre o procurador-geral e o Conselho Superior, acentuam a nuvem sobre o que se passou. É escusado pensar que, com ou sem a certidão do juiz do Barreiro, este estado de coisas possa ser resolvido. Já ninguém acredita nisso. Portanto, e até pelo caos processual que envolveu o caso, bem podia o Parlamento constituir uma comissão de inquérito para apurar tudo aquilo que correu e vai correndo mal na investigação de casos como o Freeport, que insufi ciências, problemas, distorções, barreiras ou falta de meios afectam a capacidade de resposta do Ministério Público. Mesmo que no Parlamento os inquéritos sejam muitas vezes inconsequentes, a credibilidade da Justiça justifi ca aqui uma comissão. Não sobre o caso em si, claro, mas sobre a impotência judicial que o caso nos revela. Isto se ainda nos quisermos levar a sério» Pedro Lomba

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